Por que empresas lucrativas quebram?
Você já ouviu uma história, ou até mesmo viveu a experiência, de uma empresa que estava vendendo bem, crescendo e dando lucro que depois de algum tempo de operação quebrou? Sim, empresas lucrativas quebram!
Com certeza já deve ter ouvido aquela famosa estatística que tira o sono de todo novo empreendedor: uma em cada quatro empresas brasileiras, de acordo com o Sebrae, fecham as portas antes de completar dois anos.
Outro dado alarmante foi divulgado por uma pesquisa feita em 2010, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): cinco anos após serem criadas, pouco mais de 60% das empresas já fecharam as portas. Do total de 733,6 mil empresas que nasceram em 2010, 277,2 mil (37,8% do total) sobreviveram até 2015.
Uma das causas para esses números nada atrativos está justamente no título contraditório desse meu artigo: Empresas lucrativas quebram!
Por que empresas lucrativas quebram?
Agora você deve estar confuso e se perguntando: Como assim? O objetivo econômico das empresas não é ganhar dinheiro ou dar retorno ao capital investido pelos sócios? A resposta é um grande SIM, porém seguido de um MAS…
Sim, uma empresa deve dar lucro, mas a grande maioria das empresas vai à falência não por falta de lucro, e sim por falta de caixa. Vou explicar melhor…

Lucro e caixa pouco têm a ver um com o outro. Matematicamente, em longo prazo, lucro e caixa se aproximam bastante, mas a questão fundamental aqui está no curto prazo.
Me lembro que em uma das minhas primeiras aulas de economia nos EUA, o professor de uma matéria de finanças começou com uma frase estranha: “Cash is king”. “Como assim?”, pensei. A tradução literal do que ele disse seria: “o caixa é rei”. Mesmoassim, eu levei anos para aprender que, no mundo acadêmico e profissional, há distinção entre lucro e caixa na prática. E, mais do que isso, para perceber que a gestão do caixa era o grande vilão que assombra o empreendedorismo, especialmente no Brasil.
Já escrevi aqui no blog sobre perfis de empreendedores e suas diferenças. Hoje escrevo sobre uma “dor” comum a todos eles: a gestão do caixa. Infelizmente, vi muitos empresários quebrarem por falta de caixa. Atualmente, este é um dos temas centrais que tenho lidado nas minhas consultorias e da minha metodologia, a Gestão com Resultados.
Eu senti na pele o quanto é difícil entender, na teoria e na sua aplicação prática, esses dois conceitos. Por isso, me esforcei para simplificar a definição de cada um deles através de um exemplo.
Todos sabem calcular o lucro
Imaginem um empreendedor que tem uma loja de bicicletas. Ele inicia o seu negócio com um capital de R$3.000,00. Depois de muita pesquisa, ele descobre que ao negociar com um grande fornecedor, consegue comprar uma bicicleta na fábrica por R$700,00 e vendê-la em seguida por R$1.000,00. Logo, ele consegue um lucro bruto de R$300,00.
Percebeu também que, para obter este resultado, teria algumas pequenas despesas (transporte até o fornecedor, algum custo para promover a venda da bicicleta, pagar impostos etc.). Ao final, ele teria despesas totais no valor de R$200,00.
Aqui temos claro o conceito de LUCRO, que é: valor da venda – custo de produção (ou aquisição do produto, no caso da loja de bicicletas) – despesas fixas – despesas variáveis.
Agora vamos continuar acompanhando o dia a dia do nosso empreendedor para entender o que é Fluxo de Caixa e por que ele pode ser o grande vilão dessa história…
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Mas nem todos entendem o caixa com clareza
Se o nosso empreendedor, em seu negócio, comprasse a mercadoria à vista, pagasse à vista todas as suas despesas fixas e variáveis, e o cliente comprasse dele – em dinheiro – tão logo o empreendedor recebesse a mercadoria do seu fornecedor, tudo seria perfeito e muito mais simples. Pois, neste exemplo, o lucro seria exatamente igual ao caixa. Percebam que, nesse caso, como o cliente comprou tão logo o empreendedor recebeu a bicicleta, não haveria a necessidade de estoque.
Então, ao final do primeiro mês, vendendo uma bicicleta, teríamos o seguinte cenário: ele começou o negócio com um investimento de R$3.000,00 e obteve como resultado (peço perdão aos contadores pela simplicidade da análise) receita de R$1.000,00 – R$700,00 do custo da bicicleta – R$200 de despesas diversas = R$100,00 de lucro líquido.
Em percentuais, ganhou 10% sobre o valor da venda e obteve um retorno de 3,3% sobre o capital investido (R$100,00 ÷ R$3.000,00) em um mês. Ele investiu R$2.800,00 na aquisição de estoques (pois entendeu que precisava dessa variedade para conseguir realizar a venda de uma bicicleta e usou o saldo do seu capital em despesas de R$200,00). Resultado extraordinário. Eu desconheço qualquer aplicação no Brasil (e no mundo) que propicie um retorno mensal consistente de 3,3%.
Para simplificar o raciocínio, vamos imaginar que este empreendedor conseguiu vender uma bicicleta por mês, durante um ano. Ao final do ano ele teve:
- R$12.000 de receitas (das vendas das bicicletas).
- R$8.400 de custo das vendas das bicicletas vendidas em um ano.
- R$2.400 de despesas diversas.
- R$1.200 de lucro líquido. Aqui também, 10% das vendas.
Realmente um resultado excelente. Porém, não é bem assim que acontece na maioria dos casos e não foi assim para o nosso empreendedor da loja de bicicletas.
Ele descobriu que, na prática, existe uma diferença entre Lucro e Caixa, ocasionada, em sua maioria, pela NGC (Necessidade de Capital de Giro). Que é a soma dos recursos que o empreendedor precisa investir em estoque, com o prazo que ele dá para os seus clientes, menos o prazo de pagamento que recebe dos seus próprios fornecedores para pagar pelas mercadorias que compra.
Entender a diferença entre lucro e caixa é crucial!
O nosso empreendedor dono da loja de bicicletas, para competir com os grandes magazines e atrair mais clientes, decidiu oferecer um prazo de 60 dias a partir da data da venda da bicicleta para os seus clientes pagarem. E aqui vamos considerar como premissa, apenas para simplificar o raciocínio, que todos os clientes irão pagar em dia, sem atrasos e que não haverá inadimplência!
Apesar de vender com 60 dias para seus clientes, ele precisa comprar do seu fornecedor à vista, para garantir o valor de R$700,00 por bicicleta. Além disso, ele entendeu que precisava ter uma pequena variedade de bicicletas em estoque, à pronta entrega, para satisfazer seus clientes. A sua decisão, então, foi ter quatro bicicletas em estoque, para vender uma por mês, obrigando-o a investir em estoque.
Com isso, a sua conta da NCG ficou assim ao final de um mês de operação: R$2.000 de contas a receber de clientes + R$2.800 de estoques (4 bicicletas compradas a R$700 cada – R$0 de prazo dos fornecedores).
Veja que para vender R$1.000 em um mês (e lucrar R$100), ele teve a necessidade de investir R$4.800, uma proporção de R$4,8 de necessidade de investimento para cada R$1 de faturamento.
Vocês lembram que o nosso empreendedor começou com um capital de apenas R$3.000? Isso significa que para iniciar a operação ele teve que pegar emprestados R$1.800 em uma instituição financeira.
É neste momento que Lucro e Fluxo de Caixa começam a se diferenciar e que esse grande vilão começa a atacar o nosso empreendedor. Pois, sabemos que dinheiro custa, aliás, muito no Brasil.
E assim começa o endividamento…
Agora vamos ao mais contraintuitivo de tudo. Como o nosso empreendedor acertou no preço e a qualidade da bicicleta era boa, no mês seguinte ele conseguiu dobrar as suas vendas. Conseguiu faturar R$2.000.
Mantendo a proporção de 60 dias de prazo para receber dos clientes e um estoque de quatro unidades para cada uma vendida, a sua situação no mês seguinte foi um NCG = R$4.000 de contas a receber de clientes (como ele vendeu a prazo, não recebeu qualquer pagamento ainda dos clientes) + R$5.600 de estoques (oito bicicletas compradas a R$700 cada – R$0 de prazo dos fornecedores). A necessidade de capital de giro, nesse caso, aumentou para R$9.600.
Veja aqui o que normalmente ninguém percebe: o empreendedor, ao ser bem-sucedido, saiu de uma situação de R$3.000 de capital no banco para uma dívida, em dois meses, de R$6.600. Além de ter todo o seu capital inicial investido no negócio e de ter lucrado R$300,00 (R$100,00 no primeiro mês e R$200,00 no segundo mês).
Para simplificar a análise, todas as despesas mantiveram o percentual em relação às receitas e, ao final, a margem líquida manteve-se em 10% no período. Por isso, em dois meses, não recebeu um real sequer dos seus clientes e passou a ser um devedor do banco de R$6.600.
Quanto mais ele crescer, vender e lucrar, com este ciclo financeiro, mais endividado ele ficará. E os lucros dificilmente serão suficientes para pagar, ao longo do tempo, os juros que ele terá que pagar ao banco.
É isso mesmo que você leu: quanto mais bem-sucedido, mais endividado. Em pouco tempo, estará quebrado. E essa matemática simples mostra que a má gestão do caixa, principalmente no Brasil, é a principal causa para que mais de 50% das empresas fechem as portas nos primeiros cinco anos de existência.
Como não ser uma empresa lucrativa que quebra
Então o que fazer? Deixar o dinheiro aplicado no banco? Não investir nem empreender em negócios interessantes? Não crescer? Definitivamente não.
O passo fundamental para crescer, aumentar o patrimônio e manter um eventual endividamento em níveis aceitáveis, que não prejudiquem a liquidez e a solvência da sua empresa, é aumentar o conhecimento sobre o fluxo do dinheiro.
Não há uma receita de bolo que funcione para todos os empreendedores ou tipos de negócios. Empreendedores extremamente capitalizados, por exemplo, conseguem “bancar” o crescimento durante muito tempo, lucrar e não se endividar, ou se endividar muito pouco e criar riqueza.
Já os empreendedores menos capitalizados precisam se tornar craques em como dosar o seu crescimento com a sua capacidade de financiá-lo. Negociar prazos maiores de pagamento com os fornecedores ajuda bastante. Desde que o preço da mercadoria não seja aumentado. Trata-se de uma fonte de financiamento gratuita, sem pagamento de juros.
Trabalhar com o menor nível de estoque possível também faz diferença na gestão do fluxo de caixa. Aqui o trabalho não é apenas da área financeira da empresa, mas envolve diversos departamentos. Prever a demanda correta, o mix ideal de produtos, o preço correto e uma ótima comunicação para o mercado, ajudam significativamente na missão de manter os níveis de estoque baixos.
O prazo ao cliente talvez seja um dos elementos mais difíceis de gerenciar. Muitas vezes, somos obrigados a seguir a política do mercado e dos nossos principais concorrentes. Mas, uma coisa é certa: usar o prazo para clientes como um diferencial estratégico é uma estratégia perigosa para o caixa. Investir na qualidade do produto/serviço, em uma boa comunicação e, sobretudo, na retenção de clientes é sempre a estratégia mais prudente e eficiente.
Conclusão
Precisamos exercitar continuamente os músculos da gestão do caixa, ou melhor, da gestão com resultados, que envolve todas as variáveis que citei acima. Trata-se de exercício diário. Quanto mais exercitamos, melhor ficamos, mais crescemos com rentabilidade e nos distanciamos da concorrência. Este texto foi relevante para você? Alguma ótima experiência para compartilhar e ajudar outros empreendedores a terem sucesso?

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